Afinal, quanto vale uma tonelada de matéria orgânica?
- Associação Brasileira de Compostagem
- 9 de ago.
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Fernando Carvalho Oliveira
Associado AB|Compostagem
Há tempos, venho me debatendo com uma questão intrigante para os profissionais de ciências agrárias, especialmente quando confrontados com a realidade da agricultura tropical. Embora a agricultura brasileira esteja calcada sobre os chamados solos tropicais, altamente responsivos e dependentes do seu teor de matéria orgânica para desempenhar ao máximo sua capacidade de suporte agrícola, tenho verificado que a adubação orgânica, muitas vezes, não é prioritária para os produtores.
Tenho verificado que a adubação orgânica, muitas vezes, não é prioritária para os produtores.
Essa percepção é, em certa medida, compreensível, já que no Brasil a agricultura depende de retorno financeiro rápido. Contudo, a adubação de solos com matéria orgânica é, de fato, um investimento e não propriamente uma despesa. Aplicar matéria orgânica de qualidade constantemente, ainda que em baixas doses, é sempre uma operação de investimento na melhoria da qualidade do solo e do ambiente produtivo, construindo a fertilidade como um processo cumulativo.

Nos solos tropicais, a matéria orgânica do solo (MOS) não é um mero coadjuvante; ela é o principal agente de fertilidade, estabilidade e resiliência. Em ambientes altamente intemperizados, ácidos, de baixa Capacidade de Troca Catiônica (CTC) e saturação por bases naturalmente reduzida, é a fração orgânica que responde por grande parte da retenção de nutrientes, pela modulação da acidez e pelo suporte à atividade biológica.
Estudos demonstram que a maior parte da CTC de solos tropicais é proveniente da matéria orgânica, dada a baixa reatividade dos minerais predominantes na fração argila. Além disso, a MOS atua como substrato energético para a biota do solo, influenciando diretamente a densidade e diversidade microbiana, com reflexos positivos na mineralização de nutrientes, no controle biológico natural e na formação estrutural do solo.
CTC é uma medida da quantidade de cargas negativas que o solo (principalmente a argila e a matéria orgânica) consegue reter e trocar com a solução do solo. Funciona como uma “esponja química” que segura nutrientes carregados positivamente — como cálcio (Ca²⁺), magnésio (Mg²⁺), potássio (K⁺) e amônio (NH₄⁺) — e os disponibiliza gradualmente para as plantas.
Uma dificuldade flagrante, no entanto, reside na precificação dos chamados fertilizantes orgânicos compostos. O mercado só raciocina e precifica com base no teor de macronutrientes.
Graças à tradição no uso dos fertilizantes minerais, os pontos percentuais de N, P e K têm precificação muito bem estabelecida no mercado. Essa abordagem, herdada da lógica mineral, não capta a multifuncionalidade agronômica da matéria orgânica, tratando compostos orgânicos complexos como se fossem adubos simples. Essa distorção compromete o reconhecimento do real valor agronômico e ambiental desses insumos.
Ocorre que os fertilizantes orgânicos compostos, embora contenham macro e micronutrientes, não têm aptidão e tampouco o propósito de substituir os minerais. Por outro lado, eles os potencializam, promovendo sinergias físico-químicas e biológicas que aumentam a eficiência de uso dos nutrientes aplicados, reduzem perdas por lixiviação e adsorção, e constroem sistemas produtivos mais estáveis.

É verdade que há outras formas de aportar matéria orgânica ao solo: adubação verde, rotação e consórcios de culturas, além do manejo de resíduos culturais. Mas a crescente oferta de fertilizantes orgânicos compostos, fruto de novas implantações de sistemas de tratamento de resíduos agrossilvipastoris, agroindústriais e urbanos, representa uma oportunidade estratégica para a agricultura brasileira integrar produtividade e sustentabilidade em escala.
Ainda assim, ao se tentar comercializar um fertilizante orgânico composto, o diálogo com o mercado esbarra numa questão simples e mal resolvida: “Quantos pontos percentuais de NPK ele tem?”.
“Quantos pontos percentuais de NPK ele tem?”. E assim se negligencia aquilo que, nos solos tropicais, é estrutural: a capacidade da matéria orgânica de transformar ambientes biológicos, físicos e químicos.
E assim se negligencia aquilo que, nos solos tropicais, é estrutural: a capacidade da matéria orgânica de transformar ambientes biológicos, físicos e químicos. Ignorar esse valor é reduzir a agricultura a uma visão de curto prazo, dependente da eficiência imediata dos insumos e alheia à construção da fertilidade como processo cumulativo.
Por tudo isso, é hora de rever os critérios que definem valor em agricultura tropical. E, sobretudo, é hora de encarar a pergunta que persiste:
Afinal, quanto vale uma tonelada de matéria orgânica?
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